Ex-diretora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), afirma que a proibição dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) no Brasil não funcionou e trouxe caos, com epidemia e ilegalidade. Em entrevista ao Olá Jornal, a consultora da BAT Brasil, Alessandra Bastos, defende o direito do consumidor a acesso de um produto com menor risco.
Olá – Embora seja um mercado 100% ilegal, a então relatoria do processo afirmou que a Anvisa não pode regular motivada pelo contrabando e alegou diversidade de produtos ao ponto de ser difícil de regular. São argumentos plausíveis?
Alessandra – Eu acho que foi um grande equívoco utilizar esse motivo para dizer que a agência não tem como regulamentar esse tema, é um grande equívoco. Porque é justamente o caminho inverso que fará sentido, ora, por que temos tantos modelos, tanta mistura e tantas possibilidades no mercado? Porque não há uma regra. Desde que exista uma regra que diga como o dispositivo pode ser elaborado, que peças podem compôr esse dispositivo, que soluções poderão ser disponibilizadas e que solventes, por exemplo, poderão fazer parte dessa mistura, quais os flavorizantes, qual a quantidade de nicotina poderá ser ofertada, isso tudo só pode ser mensurado e planejado se houver uma regra. Para que mercado faz sentido esse produto, para que consumidor este produto poderá ser entregue, como este produto poderá ser comunicado. A falta de regra foi que incentivou, eu afirmo isso de forma contundente. O que possibilitou de se instaurar a fatalidade no Brasil com o cigarro eletrônico foi justamente a falta da regra. Pois não se sabe coisa alguma desses produtos, não se sabe origem, onde são feitos, como chegam no Brasil, como circulam no nosso país. O dispositivo eletrônico para fumar, ainda que regulamentado, traz o risco reduzido quando comparado a utilização do cigarro convencional agora em nenhum momento pode-se dizer que é um produto isento de risco, não é um produto inócuo. Agora quando eu falo de um produto ilegal, é um risco que sequer eu consigo mensurar.
Alguns diretores reconheceram durante a votação o descontrole e falaram até em epidemia, ao contrário da área técnica. Há uma contradição dentro da própria agência?
Sim e é lamentável porque dizer para quem quer que seja que isso não é uma epidemia é negar a realidade. O mundo ideal, é muito diferente do mundo real. No mundo ideal as pessoas não necessitariam nenhum produto, medicamento, nada que trouxesse qualquer tipo de disfunção no seu organismo, mas o mundo real é diferente. O homem quando decide, nada o prende. Ele vai usar o produto legal ou ilegal, então se eu posso cuidar disso, se eu posso entregar a ele um produto legalizado onde há o mínimo controle, por favor, isso é bom senso, dizer que não é muita gente que usa, eu não sei se as pessoas não estão saindo de casa, eu não consigo explicar esta fala, porque pra mim é de uma estranheza. É ideológico dizer que não é uma epidemia. Todos os dias a gente vê um famoso, ou uma pessoa comum ir a mídia dizer que se acidentou, que está doente, que teve um problema com a voz, enfim, essas notícias aparecem, então negar que isso que está acontecendo, como é que faz? É o que? É negar a realidade, para mim. Eu acolho as opiniões, mas dizer que não é tanta gente assim, as pesquisas apontam para uma realidade diferente dessa fala. Eu acho que qualquer pessoa que sai de casa hoje vê isso no bar, na banca de jornal, nas festas, nos vídeos do Youtube, nos clipes de música, a gente assiste isso. Como assim dizer que não é uma epidemia? Mas enfim, são os entendimentos.
Qual a importância da decisão do Brasil no cenário mundial?
O Brasil, sanitariamente falando, desponta na América do Sul. A autoridade sanitária brasileira é referência na América do Sul e isso é muito importante. O Brasil hoje faz parte de um comitê internacional chamado ICH que é um comitê internacional de harmonização de registro de produtos. Veja bem, estou sentada a mesma mesa que o Japão, EUA, Canadá, Austrália e outros países. O Brasil é um país de dimensões continentais, a quantidade de gente que há no Brasil, podemos comparar com continentes. Então, quando você fala em saúde pública e a possibilidade de trazer a redução de danos, quanto o Brasil poderá economizar, digamos em saúde dos brasileiros, se ela incluir nas suas práticas a redução de risco de danos, no caso do tabagismo? Porque quando eu falo de controle de açúcar eu também estou falando de redução de riscos e danos, então se eu cuido do meu tabagista eu tenho mais saúde pra ele. Eu tenho mais dignidade pra ele, porque quando você não tem regra a ilegalidade cresce, a criminalidade desponta e você expõe a sua sociedade o seu indivíduo a um risco incomensurável porque não dá pra medir o risco de um produto ilegal. A gente não consegue sequer medir e a extensão disso é absurda porque a consequência do que você não consegue medir você não consegue medir menos ainda, então é caos. A falta da regra traz caos para o Brasil nesse sentido. Traz o não acesso a produtos de risco reduzido, traz o crescimento da criminalidade, da ilegalidade. Não pode virar coisa comum, a ilegalidade não pode cuidar de nenhum tema da nossa saúde, quem tem que cuidar da nossa saúde são os órgãos de controle da saúde. Existe uma autoridade sanitária no nosso país para isso, e ela deve cumprir a sua missão institucional que é escrever uma regra para o setor produtivo e entregar com responsabilidade algo ao consumidor adulto um produto seguro.
FOTO: Divulgação/AI BAT