Cerca de dois em três cigarros consumidos no Brasil são ilegais. A marca legal mais barata no país é 3x mais cara que no Paraguai. Desde 2013, os tributos sobre o cigarro e o preço dobraram, mas o consumo total voltou a crescer, passando de 107.7 bilhões de cigarros em 2013 para 110.7 bilhões em 2019.
O que diminuiu foi o consumo de cigarro legal, de 70 para 72 para 47 bilhões de cigarros. Este espaço foi ocupado por marcas contrabandeadas que hoje representam mais da metade (57%) do mercado total do Brasil, segundo market share do mundo. Os dados fazem parte da pesquisa ‘A Economia do Mercado Ilegal de Cigarros no Brasil’, realizada pela Oxford Economics.
O presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), Édson Vismona, aponta a necessidade de se enfrentar oferta e demanda de cigarros ilegais no Brasil. O tema tem desafiado a entidade que é mantida por empresas dos setores de bebidas, cigarros e combustíveis, afetados pela pirataria, fraude e devedores contumazes.
Havia expectativa do governo no enfrentamento ao comércio ilegal por meio da redução do IPI dos cigarros, o que acabou não acontecendo. Qual a expectativa a partir de agora?
Na verdade, esse foi um dos temas discutidos no grupo criado no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Além do fortalecimento das ações de repressão, que efetivamente teve importantes avanços com o programa VIGIA, operações HORUS e a instalação do Centro Integrado de Operações de Fronteira –CIOF, havia a questão da tributação, que foi encaminhada para uma análise mais detalhada a fim de identificar as alternativas. É certo que para o combate ao contrabando de cigarros (que lidera o mercado brasileiro com 57% de participação) é necessário enfrentar a oferta – com repressão integrada e coordenada, começando pelas fronteiras – e a demanda, procurando meios para diminuir a enorme diferença do preço final ao consumidor. O cigarro do crime não paga nada de impostos, enquanto o nacional, legal, arca com 71% de impostos, assim, emerge a questão tributária como um fator determinante dessa grande diferença.
A recomendação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, é de que 70% do valor do cigarro seja tributado. Ao mesmo tempo, o Tratado de Combate ao Contrabando, também da OMS, reconhece que os governos precisam criar ações de segurança para reduzir o contrabando. Como avalia a influência destes tratados nas dinâmicas econômicas dos países e como equilibrá-los?
O Brasil cumpre as recomendações da Convenção Quadro da OMS, com tributação elevada (71%), mas, o grande fornecedor do cigarro contrabandeado, o Paraguai, ao contrário, tem uma das menores taxações do mundo (18%), portanto, o caso brasileiro demonstra que, além da repressão articulada (que vem avançando), precisamos de uma outra abordagem econômica. O Tratado de Combate ao Mercado Ilícito aponta para a questão de se avaliar o sistema tributário levando em consideração as ameaças do contrabando, por isso entendemos que precisamos rediscutir essa questão. Uma ideia a ser avaliada é aumentar os impostos dos cigarros mais caros e baixar dos mais baratos, mantendo a carga tributária, viabilizando uma marca de confronto com preços mais competitivos para combater o contrabando, diminuindo a sua vantagem do preço muito mais baixo por não pagarem impostos.
Quais as particularidades do mercado ilegal de cigarros comparado a outros mercados como bebidas, eletrônicos, perfumaria, etc?
O caso do cigarro é que, ao contrário dos demais produtos que sofrem muito com o contrabando e falsificação, a produção está na nossa fronteira, no Paraguai e não na China. Assim, o acesso ao mercado brasileiro é mais fácil e, pelos elevados lucros, despertou maior interesse das organizações criminosas e milícias. Claro que os demais produtos têm organizações criminosas na operação, mas os cigarros, pela grande liquidez, atrai ainda mais essa ação criminosa.
Autoridades de segurança afirmam que o grande desafio da questão é a demanda: onde tem demanda tem produto. Você concorda? Como conscientizar o consumidor do seu papel no meio deste contexto?
Sim, o contrabando de cigarros é um fenômeno da economia criminosa, portanto precisamos tratar da oferta e da demanda. Temos demonstrado em campanhas de conscientização que o fumante do cigarro do crime financia as organizações criminosas. Reclamar da segurança pública e financiar quem comete crimes é incoerência ética, sem esquecer que o cigarro contrabandeado não respeita qualquer das determinações exigidas pela ANVISA, ou seja fuma algo que ninguém sabe qual é a composição.
Qual seria a solução e como a entidade tem trabalhado por isso?
Apoiando e incentivando as ações integradas e coordenadas das forças policiais e Receita Federal, desde as fronteiras até as cidades, passando pelas estradas, para combater a oferta. Quanto a demanda, estimulando debates que avaliem possíveis soluções para diminuir a enorme vantagem competitiva do cigarro do crime, com alternativas relacionadas aos impostos e defendendo que o Paraguai equalize os impostos dos cigarros, respeitando as recomendações da OMS e que o Brasil já cumpre.
DOIS MILHÕES DE CIGARROS APREENDIDOS
Até a finalização desta edição mais uma carga de cigarros ilegais era apreendida em Venâncio Aires. As 200 caixas (100 mil maços) foram localizadas pela Brigada Militar em uma propriedade na localidade de Linha Estância Nova, próximo a RSC-287, nesta segunda-feira, 1º de junho. No local, ainda foi encontrada grande quantidade de embalagens de cigarro e uma camioneta clonada. Um homem, de 35 anos, foi preso e responderá por receptação e violação de direitos autorais. A Polícia Civil fez a apreensão de todo o material e o veículo foi recolhido ao depósito do guincho para perícia. A carga encontrada está avaliada em R$ 300 mil.
O Olá Jornal ao longo do mês de junho vai destacar os caminhos do contrabando de cigarros.