O Dia Internacional da Mulher é comemorado nesta sexta-feira, 8. É uma data para refletirmos sobre o papel importante da mulher na sociedade, as lutas enfrentadas e as conquistas que ainda estão por vir. Não é à toa que os resultados do Censo Demográfico 2022 apontam que o Brasil tem 6 milhões de mulheres a mais do que homens. Elas são 51,5% da população residente no país.Essa maioria ocorre também no mercado de trabalho e vem aumentando até em áreas com predominância masculina.
Na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), por exemplo, elas somam 60,50% em todos os campi (Sede, Sobradinho, Venâncio Aires, Montenegro e Capão da Canoa), Hospital Veterinário e a Central Analítica em Primavera do Leste, no Mato Grosso. Já entre as estudantes nas graduações, 61% são mulheres. E dentro destes números temos diversos exemplos de mulheres que inspiram tanto nas suas áreas como fora delas. A seguir, um exemplo que representa todas as mulheres da Unisc, neste Dia Internacional da Mulher.
Mulher, negra e advogada com muito orgulho
Tatiana dos Santos Schuster tem 44 anos. Formada em Direito, a advogada concluiu o mestrado na Unisc e agora está no doutorado. Além do escritório próprio, realiza, um sonho que tinha há 20 anos atrás: trabalhar na Unisc. Porém, o sonho veio ainda com uma dose de magia: ser professora de Direito na Instituição.
Mas chegar até o ponto em que está não foi fácil. Mãe solo, negra, filha de uma mãe solo, Tatiana precisou passar por muitos percalços na vida. Natural de Santa Cruz do Sul, na infância e adolescência cresceu no Arroio Grande. Dividia a casa com a mãe, a avó, uma tia e mais uma prima, esta, quase uma irmã gêmea. “Minha mãe foi industriária por 30 anos, até se aposentar. Nunca passamos fome, mas lembro que as coisas não eram fáceis. Íamos no mercado fazer o rancho do mês e minha mãe deixava escolher uma coisinha. Também lembro de ela dizer para a moça do caixa que quando a conta chegasse em determinado valor, os outros produtos não seriam mais passados.”
Aos 16 anos, ela engravidou e precisou parar os estudos. Deu à luz uma menina, chamada de Eloísa, e voltou aos estudos cerca de dois anos depois. Mãe solo, conseguiu concluir o Ensino Médio no Colégio Estadual Luiz Dourado. Lembra que precisou de ajuda também de uma vizinha para o cuidado com Eloísa, pois trabalhava de dia e estudava à noite.
A trajetória no Direito iniciou ainda no Ensino Médio quando começou a trabalhar no escritório de advocacia de Leni Nothaft. Tinha de 19 para 20 anos. Naquela época, também trabalhava como manicure para ajudar nas despesas da casa e sustentar a filha. “Lembro que a Dra. Leni me incentivou a fazer Direito, inclusive pagou minha inscrição no vestibular. Um tempo depois, tive alguns problemas financeiros e ela me ajudou novamente para não precisar abandonar o curso. Naquela época era mais difícil estudar, não tinha tantos financiamentos. E eu, uma pobre coitada, com filha, negra, não tinha com quem contar. Então, algo que sempre repito por onde quer que eu esteja ou vá, que a pessoa da Leni teve um papel muito importante na minha vida, mostrou este mundo que hoje eu estou e o que sou nele. A ela sempre serei grata”, fala.
A conclusão do curso demorou cerca de 10 anos. E Tatiana, na maioria do tempo, sempre trabalhou na área. Depois de formada, e até um pouco antes, a vida já lhe mostrou o caminho da advocacia mesmo, na prática, em que já atua há cerca de 15 anos. Em 2020, iniciou o mestrado na Unisc e, em 2021, abriu o próprio escritório. Hoje é especialista em Direito Previdenciário, escolha feita por envolver, especialmente, os direitos sociais, auxiliando parcela da sociedade que é vulnerável. Foi a realização de dois sonhos. “Lembro que eu olhava algum colega mestre e ficava deslumbrada como uma criança na Disney. Tinha receio de também tentar, porque na graduação nunca pude me dedicar à pesquisa, eu precisava trabalhar o dia inteiro, eu tinha uma filha para criar. O mestrado me tirou da zona de conforto. Eu gostei da pesquisa. Mesmo assim, dizia que não faria doutorado. Hoje, cá estou.”
Tatiana hoje é casada e mãe também de Kauã, de 7 anos. E como contado no começo da história, sempre quis ser docente da Unisc. Na graduação, tentou entrar como funcionária, mas nunca conseguiu. “Hoje entendo que Deus tinha algo maior para mim: ser professora. É muito significativa a minha história com a Unisc. Eu gosto, eu amo estar aqui e sou muito feliz.”
E para as mulheres que estão em busca dos sonhos, Tatiana diz que o importante é respirar fundo e não perder o foco. “Acredito e quero mostrar para as pessoas (as mulheres, principalmente) que os nossos pensamentos criam a nossa realidade, e que apesar das dificuldades que temos, são necessárias para evoluir. É difícil ter filhos, ser negra em uma cidade que se intitula germânica, é desafiador, mas nunca devemos deixar com que estas dificuldades determinem o que somos, ou o que seremos. Aquela dificuldade, coloca na bagagem da caminhada que, aos poucos, ela vai se mostrando a que veio e por qual motivo veio. Se deixe mover pelos sonhos e corra atrás, nada vem de graça. O poder para qualquer coisa está dentro da gente, é seguir em frente e nunca desistir. Sempre digo que como mulher negra enfrento a dupla vulnerabilidade: mulher e negra, mas é preciso buscar, se orientar, enfrentar as adversidades, conhecer, estar e trazer para perto pessoas que se importam contigo e que queiram, realmente, te ajudar. Sempre sempre buscar. Eu galguei, dessa forma, a minha caminhada. Foi difícil, mas para quem não é? Aliás, as mulheres só ainda não estão mandando no mundo, porque não escolheram a roupa e o sapato que vão usar.”