Única entidade de redução de danos no Brasil, a Direta (Diretório de Informações para Redução dos Danos do Tabagismo) lamenta a opção da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em manter a proibição dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) no Brasil. Em entrevista ao Olá Jornal, o presidente da entidade, Alexandro Lucian, questiona o prazo de quatro anos para manter uma legislação de 13 anos atrás e fala em escândalo sanitário.
Olá – Qual a avaliação da entidade sobre a decisão da Anvisa de manter a proibição?
Direta – A Direta entende que essa escolha vai contra o interesse da saúde pública brasileira. A ciência internacional já comprovou que apesar de não serem livres de risco, os DEFs oferecem danos muito menores quando comparados aos cigarros tradicionais, ajudando pessoas a parar de fumar. Porém tais benefícios são vistos apenas em países que decidiram regulamentar o comércio aplicando regras rígidas, criando normas para a fabricação, venda e propaganda dos produtos. Esta abordagem leva a queda no número de fumantes, diminuição do índice de câncer e não enfrenta os problemas de países que optaram por não regulamentar ou proibir, como tem ocorrido no Brasil.
Com a mesma norma desde 2009, a decisão da Anvisa vai perpetuar um comércio 100% ilegal, que não recolhe impostos, gera trabalho em condições impróprias, não se importa com a qualidade dos produtos oferecidos e nem na venda para menores. Sem a devida informação, não fumantes passam a usar os produtos alheios ao fato de que contém nicotina e que causam danos à saúde. Já temos comprovado que a proibição não resolve o problema, como não resolveu em nenhum país até hoje. O mercado ilegal só continuará a crescer e milhões de consumidores terão acesso a produtos sem qualquer controle sanitário. Imaginar que tudo vai mudar a partir de agora, quando 13 anos não foram suficientes, é simplesmente ignorar fatos que qualquer cidadão brasileiro pode comprovar, que os DEFs vieram para ficar e estão em todo o lugar, quer gostemos ou não.
A agência reconheceu mais uma vez o interesse da sociedade no tema, já que a tomada pública de subsídios teve 1.567 participações dos cidadãos, oriundas do Brasil e do exterior. Ao mesmo tempo, alegou que não há um clamor popular. Como entidade representativa também dos consumidores, como enxergam o processo de participação social nas tomadas de decisão?
O argumento usado pelos contrários é que o Estado deve sim influenciar na decisão das pessoas para protegê-las de usar produtos que causam mal à saúde, mesmo negando a possibilidade de redução de danos com o uso dos DEFs, aceitando assim mais de 400 mortes evitáveis por dia causadas pelo tabagismo no Brasil. É estranho que uma agência regulatória alegue que não exista um clamor popular sobre o assunto, quando essa narrativa não faz sentido. Não há dúvidas que se perguntarmos ao Brasil se cigarros convencionais deveriam ser proibidos, teremos uma maioria que dirá sim.
Uma pesquisa nacional realizada pela Covitel este ano indicou uma prevalência de uso de DEFs de 7.3% por pessoas com mais de 18 anos, o que equivale a mais de 11 milhões de brasileiros. Durante a reunião, a Anvisa arbitrariamente descartou essa pesquisa alegando ser regional, o que não é verdade. Não há consenso inclusive dentro da própria agência. Enquanto a área técnica alegou que o comércio ilegal não está fora de controle e que o uso dos produtos é baixo no Brasil, logo após, o Diretor Alex Machado Campos, durante sua fala antes de revelar seu voto, disse “chamo muito a atenção para o fenômeno da disseminação e comercialização desses produtos ilegais por meio de contrabando”, que de acordo com o diretor “entram aos milhares no país” e complementa dizendo “…nós assistimos hoje, em qualquer lugar que nós frequentemos, pessoas dispondo de um dispositivo dessa espécie”.
O que esperam daqui para frente?
Tudo leva a crer que a Anvisa vai optar por não regulamentar o comércio dos DEFs nesse momento. Se este for o caminho, não precisamos ser videntes para prever o futuro com considerável precisão. O mercado vai se manter exclusivamente ilegal e as pessoas seguirão consumindo produtos sem qualquer controle sanitário, o que continuará criando muitos problemas. O trabalho da Direta será essencial para divulgar informação científica adequada, mostrando a realidade sobre os DEFs no Brasil e tentando auxiliar o país na busca de uma legislação adequada sobre os produtos, que ajude os fumantes, enquanto protege os não fumantes, especialmente os jovens. Acreditamos que não é possível ignorar a ciência para sempre, mais pesquisas serão realizadas, teremos acesso a novos dados e saberemos quem estava certo, só esperamos que até lá o estrago seja o menor possível. Chegará um dia que vamos nos perguntar quem será responsabilizado pelo escândalo sanitário que está ocorrendo hoje.