Ao serem apresentados a um candidato com deficiência para uma vaga de emprego, 67% dos gestores e empresários ainda têm resistência em entrevistá-lo e/ou contratá-lo, segundo pesquisa feita com profissionais de recursos humanos (RH). Segundo os dados, apenas 33% dos gestores não tem resistência e contratam o candidato se ele estiver dentro do perfil da vaga.
A segunda edição da pesquisa Expectativas e Percepções sobre a Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho foi feita em 2015 pela i.Social, consultoria com foco na inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, em parceria com a Catho e com apoio da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil). No total, 1.519 profissionais de RH responderam à pesquisa.
A diretora de Diversidade da ABRH Brasil, Georgete Lemos, disse que fica visível a questão de valores muitas vezes enraizados de não reconhecer a capacidade das pessoas com deficiência. “O RH tem que ajudar as empresas a realinhar suas ações aos valores que estão sendo adotados pela sociedade. Existe a lei [Lei de Cotas], existe a intenção, mas não existe a atitude compatível. Essa equação é fácil de ser resolvida, tem que ser trabalhado o enraizamento de valores na organização como um todo, começando pelos gestores e se estendendo à totalidade do corpo de funcionários”, disse.
Um dos problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência que são candidatas a uma vaga no mercado de trabalho é a abordagem de alguns recrutadores. O cadeirante Joewilson de Souza, 40 anos, de Juazeiro do Norte (BA), contou que já se sentiu desprezado em uma entrevista de emprego.
“Eu recebi encaminhamento para uma entrevista e a pessoa designada para receber os currículos conversou comigo, mas não olhou nos meus olhos. Ele pegou meu currículo e virou as costas, quando percebeu que eu tinha curso superior, ficou surpreso e voltou”, lembrou Souza. “Eu disse que não tinha como esperar o entrevistador, eu queria a vaga, mas não quero mais. Disse: ‘essa empresa não merece uma pessoa com deficiência qualificada, vocês precisam rever seus conceitos’”, contou.
Joewilson Souza é assistente social e diz que os recrutadores precisam ser mais bem preparados. “Fala-se muito acerca da humanização, mas a realidade é que isso ainda continua sendo um mito no mercado de trabalho. É necessário ser gente para lidar com gente, a capacitação precisa ser permanente porque pessoas com deficiência estão aí o tempo inteiro. É preciso ser humano e ser altruísta e valorizar o outro. O ser humano ainda é a coisa mais importante desse mundo”, disse.
A também assistente social Zenira Rebouças mora em Salvador e reclama de dificuldades de acessibilidade na hora buscar uma vaga no mercado de trabalho. Ela é cadeirante e contou que participou de um evento de recrutamento de pessoas com deficiência, mas que o espaço não estava preparado para receber aquele público. “Ele não estava acessível para atender às pessoas, não tinha banheiro adaptado e isso em uma seleção só para pessoas com deficiência”, relatou.
Cumprimento da lei
A Lei de Cotas prevê que toda empresa com 100 ou mais funcionários deve destinar de 2% a 5% (dependendo do total de empregados) dos postos de trabalho a pessoas com alguma deficiência.
Segundo Georgete Lemos, é grande o percentual de empresas que contratam pessoas com deficiência apenas para cumprir a lei, 86%. Apenas 2% contratam porque valorizam a diversidade; 3% porque acreditam no potencial dessas pessoas; e 9% têm interesse no perfil do candidato, independentemente de cota ou deficiência.
Outro dado apontado na pesquisa diz que 60% dos profissionais de RH acreditam que as pessoas com deficiências sofrem preconceito no ambiente de trabalho, seja por colegas, gestores ou clientes. “A empresa que contrata cumpre a lei, mas as pessoas com deficiência não são aceitas internamente pelas pessoas. É preciso uma sensibilização com relação às atitudes das pessoas”, ressaltou Georgete.
Para a diretora, é necessário identificar as dificuldades das pessoas em relação ao outro e atuar em cima disso, seja capacitando as pessoas com deficiência ou conscientizando o corpo funcional e gestor das empresas. “Quem discrimina discrimina tudo e todos, uns mais outros menos. Não só pessoas com deficiência, mas mulheres na alta direção, por exemplo, ou com atribuições de menores salários. Histórias de preconceito e discriminação podem e devem ser evitadas no trabalho através do exemplo. Em uma organização que tenha líderes conscientes, a equipe reproduz esse comportamento”, destacou.
Segundo o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no Brasil existem 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que representa 23,92% da população brasileira.
A diretora administrativa da Associação Brasiliense de Deficientes Visuais (ABDV), Adriana Lourenço das Candeias, disse que o problema é a falta de informação e socialização dos gestores. “Eles têm que saber o que o deficiente realmente é capaz de fazer. Muitas vezes só contratam para cumprir a lei e não têm noção do que é uma deficiência, seus limites, dificuldades e capacidades. Com mais informação, contratariam com mais segurança e consciência.”