Crime sem castigo: o cigarro mais barato que custa caro à sociedade

Olá Jornal
agosto29/ 2020

“De R$ 4 a R$ 5 não é nem o pastel do dia”. A fala do morador de Taboão da Serra, São Paulo, justifica a sua escolha pelo cigarro ilegal e traduz o principal motivo para o consumo deste tipo de produto: o preço. No entanto, esse cigarro mais barato para o barbeiro custará caro à sociedade do qual ele mesmo faz parte.

O impacto da criminalidade por trás do cigarro ilegal visto como inocente por consumidores e governo é desvendado pelo documentário “Cigarro do Crime”. Essa relação complexa é narrada durante os cerca de 43 minutos da produção feita pela Vice Brasil com o apoio do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP). A equipe ouviu uma gama de especialistas na área de segurança pública, de jornalistas que há anos investigam o contrabando à agentes públicos que combatem a criminalidade.

Um deles, que explica esse envolvimento, é o chefe do núcleo especial de Polícia Marítima (Nepom) da Delegacia da Polícia Federal de Guaíra, cidade fronteiriça do Paraná com o Paraguai, Christiano Garofolo. O local é um dos pontos estratégicos escolhidos pela produção para reportar. “Muitas quadrilhas não levam só cigarro, elas se aproveitam de uma rota de cigarro talvez conte com alguma corrupção de policiais e fiscais que deveriam combater aquilo e aproveita para passar tudo, droga, arma, o que quiser. Quem está comprando está incentivando. Deixou de ser uma questão tributária, faz tempo”, afirma.

NEGÓCIO LUCRATIVO
No Brasil, o preço médio de um maço de cigarros legal é R$ 7,51. Já o contrabandeado custa R$ 3,44. A alta lucratividade garantida pelo cigarro contrabandeado faz deste crime o negócio ideal para facções criminosas em busca de mais dinheiro para financiar suas ações. “Cem por cento das favelas do Rio de Janeiro vendem cigarro Paraguaio, independente da facção ou mesmo milícias. O tráfico de drogas também sobrevive da venda de cigarros, aliás em algumas comunidades é a principal fonte de receita”, revela o ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE), Rodrigo Pimentel.

O mercado ilegal movimenta R$ 10,9 bilhões. Somente nos últimos cinco anos R$ 50 bilhões deixaram de ser arrecadados. Entre essas cifras, R$ 1 bilhão é gasto com corrupção.

“Dão mais capacidade de lucro e consequentemente de operação das milícias também. São polícias mal estruturadas em que a baixa hierarquia sente muita vontade de começar a operar nos chamados mercados clandestinos da periferia. Eles vendem de tudo e o cigarro acaba sendo o produto adicional”, explica o especialista em segurança pública, José Vicente.

VIOLÊNCIA
O Paraguai produz 71 bilhões de cigarros e só consome pouco mais de 2,3 bilhões. A exportação legal é de 1,5 bilhões. O restante, 67,2 bilhões vai para o contrabando. O consumo desse produto aparentemente inocente traz consequências como aumento da violência e criminalidade.

“A gente tem que entender como é um mercado criminoso é tão violento quanto o narcotráfico, muitos casos de execução por inadimplência”, alerta o jornalista Mauri Köning que dedicou 16 anos de sua vida investigando o contrabando de cigarros, período em que morou na fronteira entre Brasil e Paraguai.

O ex-capitão do BOPE conviveu com essa realidade durante os anos na ativa e relata à produção do documentário como é o cenário da ilegalidade.
“Por trás do cigarro paraguaio existe uma série de crimes, assassinatos, mortes. Monta uma barraquinha e tenta vender na frente da favela de Manguinhos no Rio de Janeiro, você vai ser assassinado em 15 minutos, porque aquele território não te pertence. Se existe disputa de território então tem aparato armado na parada, então tem violência”.
Para ele é fundamental que o consumidor tenha essa consciência. “O cidadão que fuma cigarro paraguaio tem que saber que alguém morreu, ele tem que saber disso”.

O ex-chefe da Polícia Civil no Rio de Janeiro, Cláudio Ferraz, destaca somente reconhecer não basta, é preciso ação do estado.
“É lógico que eles têm conhecimento do que é uma irregularidade mas eles têm uma necessidade que vai ser suprida com o que lhe é ofertado e por um custo muito inferior” .

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