Contrabando de cigarros é o preço pago pelo Brasil por seguir acordos internacionais

Olá Jornal
setembro14/ 2020

Ter quase 60% do mercado ocupado por cigarros ilegais é o preço que o Brasil paga por seguir acordos internacionais. Membro da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco e do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco, ambos da Organização Mundial da Saúde (OMS), o país elevou a carga tributária do produto e hoje sofre com o contrabando vindo do Paraguai que não segue os tratados. Enquanto o produto brasileiro possui cerca de 80% de imposto, no país vizinho a taxação é de 18%.

O caminho até esse patamar começou em 2011 quando o governo brasileiro implementou o artigo 6º da Convenção-Quadro que relaciona o aumento do preço do produto à diminuição do consumo. O artigo dispõe que as “medidas relacionadas a preços e impostos são meios eficazes e importantes para que diversos segmentos da população, em particular os jovens, reduzam o consumo de tabaco”. Nesse sentido, os Estados Partes se comprometem a “aplicar aos produtos do tabaco políticas tributárias e, quando aplicável, políticas de preços para contribuir com a consecução dos objetivos de saúde tendentes a reduzir o consumo do tabaco”.

A implementação do artigo ocorreu por meio da Lei 12.546 que alterou a sistemática de tributação do IPI e instituiu uma política de preços mínimos para os cigarros, hoje em R$ 5. A política nacional de preços e impostos ganhava a partir de então uma nova direção que mudaria o cenário do mercado brasileiro, ao ponto de colocá-lo como em primeiro lugar no mundo no consumo de cigarros ilícitos, segundo pesquisa da Oxford Economics. Em dois anos deve se tornar também o líder mundial em penetração de cigarros ilegais, superando o atual primeiro colocado, a Malásia, que atualmente tem 59% de comercialização de contrabando no mercado – o Brasil tem 57%.

PARAGUAI
Com produto legal cada vez mais caro, o brasileiro abriu espaço para o cigarro ilegal que atualmente pode ser encontrado por R$ 3,44 em média contra R$ 7,51 de um cigarro brasileiro. Estima-se que a cada 10 cigarros vendidos no Brasil, 6 sejam ilegais. Já das 10 marcas mais vendidas no Brasil, 4 vêm do Paraguai. Embora tenha ratificado a Convenção-Quadro em 2006, o Paraguai não coloca o artigo 6º em prática e sequer ratificou o Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito. O país teve tímidas iniciativas de elevar sua carga tributária sem sucesso, com reprovações no congresso.

O resultado é que o Brasil não conseguiu atingir o objetivo do artigo do tratado internacional, de diminuir o consumo, uma vez que o espaço foi ocupado pelo cigarro ilegal. “Nota-se que desde 2011, quando houve o aumento da tributação, o consumo total não caiu, o que caiu foi a adesão às marcas legais e o volume maior de ilegais chegando ao mercado”, ressalta o economista da Oxford Economics, Marcos Casarin.

O impacto é a perda de cerca de R$ 62,4 bilhões em receitas fiscais na década a partir de 2009 e o enfraquecimento da indústria legal. A gerente sênior de Comunicação e Planejamento da Souza Cruz, Regina Maia, considera a situação dramática. “Tanto a indústria quanto o Governo estão atentos aos tratados estabelecidos internacionalmente. No entanto, vivemos no Brasil uma situação dramática, na qual o país vizinho tem uma taxação muito inferior aos 70% recomendado pela Convenção Quadro”.

Para Regina, uma política tributária que não se aplica a quase 60% do mercado total, precisa ser reavaliada. “O protocolo de combate ao contrabando poderá ser efetivo e contribuir para a redução do problema no Brasil se, e somente se, o Paraguai o ratificar”, avalia.

IMPACTO
Equilibrar a influência destes tratados nas dinâmicas econômicas dos países-membros é um desafio. O diretor de Assuntos Corporativos e Comunicação da Japan Tobacco International (JTI), Flávio Goulart, afirma que esses são movimentos importantes, pois estabelecem um consenso global sobre algumas questões relevantes, embora não concorde com todo seu conteúdo. Ele defende que cada país precisa encontrar soluções de acordo com sua realidade e os problemas que enfrenta. “No Brasil, seguiremos apostando em um caminho que fortalece o crime organizado e prejudica uma indústria legal, regulamentada e que gera empregos? É uma pergunta que a sociedade precisa se fazer, especialmente diante de um cenário de crise. Para nós, parece um caminho equivocado”.

Da mesma forma, o gerente de Assuntos Fiscais da Philip Morris, Rui Duarte, reconhece a função regulatória do sistema tributário aplicado aos cigarros, de não estimular o seu consumo, mas pondera para o equilíbrio. “Deve ser buscado um equilíbrio quanto à carga tributária, uma vez que, no Brasil, o problema de contrabando de cigarros é preocupante. Acreditamos que este cenário precisa ser enfrentado através de parcerias público-privadas no âmbito da fiscalização e com a criação de leis mais duras”, conclui.

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